Feliz Natal - Capítulo Final
A criatura foi em direção aos policiais. Com uma faca na mão, chegou em frente a Inácio e pegou sua mão amarrada, libertando-a. Inácio tentou reagir, porém era fraco comparado ao monstro. Passou a lâmina de lado a lado da mão de Inácio, fazendo com que sangue jorrasse. Em sua outra mão estava uma tigela de madeira esculpida, com aspecto antigo e antiquado. O sangue caiu na tigela, suficiente para afundar a ponta de um dedo.
-Aaaaahhhh, maldito!
Num golpe rápido, a ponta do seu dedo foi amputada como se fosse manteiga, também caindo na tigela da criatura.
-Filho da puta do caralho! - Gritava Inácio. - Aaaaaaaaaaah!
-Dói, né? Vai doer mais! Passamos séculos sem oferendas, graças àquela invasão religiosa maldita!
Sangue escorria sem parar da mão direita de Inácio. Halthar deixou a tigela num móvel e, com a faca, se dirigiu a Fernandes. Olhou em seus olhos profundamente e libertou sua mão esquerda. Enfiou a ponta da faca embaixo da unha do polegar de Fernandes e cortou a carne embaixo dela.
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!
Prensou a unha entre a faça e sua garra e a torceu para cima, puxando-a e arrancando-a, jogando ela na tigela. A dor foi excruciante.
Então, uma voz conhecida se fez ouvir.
-Halthar, querido, voltei! - Dona Cleide, aparecendo.
-Até que enfim, minha dama. Demorou muito hein, quase tive que terminar o ritual sozinho.
-Jamais deixaria você se banquetear sozinho! Depois de tanto tempo sem oferendas, qualquer jantar é bem-vindo.
-D-dona Cleide... você... ele... - Disse Inácio, pálido como leite.
-Os ossos? Meu marido teve mais utilidade servindo de "quebra-ossos" do que teve em vida como mecânico. Haha!
-Tenho muita sorte em ter achado você novamente, Artha.
-Também tenho muita sorte por ter você, Halthar. - Disse Cleide. - Mas veja, você quase terminou o ritual. Agora deixe comigo, você não está forte o bastante.
-Mas você...
-Anda, sente ali na cadeira e espere eu terminar. Descanse um pouco e deixe comigo, meu precioso.
Halthar sentou-se na cadeira da cozinha, fechou os três olhos macabros e seu corpo se curvou ligeiramente. A criatura estava como que dormindo profundamente.
Nesse instante, Cleide tirou uma corda da gaveta de um móvel próximo a Halthar. Fez menção que ia amarrá-lo, porém a criatura abriu os olhos.
-Oh querido, não queria te acordar, perdão. Quero amarrá-los mais para garantir que não fujam.
-Tem certeza que não quer ajuda, Artha? Se você...
-Não se preocupe! Durma, meu amor, durma...
Cleide começou a entoar uma canção estranha em outra língua, e Halthar caiu num sono mais pesado que o anterior. Então, a velha passou a corda lentamente por volta da criatura, atando-o a cadeira.
-Rápido, não temos muito tempo. - Disse Cleide desatando os policiais.
-Quem é você, sua bruxa? - Inqueriu Fernandes, segurando seu polegar.
-Velhos que não fazem nada, não é? Fui professora de história celta e línguas antigas, sei muito mais do que pensam. Felizmente para mim, essa coisa aí não sabe tanto quanto eu e realmente acreditou que sou Artha.
-Quem é ele? - Perguntou Inácio.
-Halthar, autointitulado "o Poderoso". Uma entidade celta antiquíssima. Se perdeu de Artha e agora vaga tentando achá-la, ou melhor, achar a reencarnação dela. Mas não é hora de explicar isso, temos que ser rápidos. O feitiço não vai durar muito. Andem, para frente!
Cleide guiou os policiais até uma porta na cozinha. Quando abriu-a, era a despensa.
-Rápido, entrem.
-Na despensa? - Disse Fernandes.
-Quer entrar ou morrer? Não temos muito tempo!
Os policiais entraram e ficaram quase espremidos no minúsculo cômodo. Cleide então deu pequenas instruções.
-Assim que eu fechar a porta, tirem o pote de arroz do lugar e vão achar um botão. Apertem-no e serão descidos ao porão. Procurem por uma janela pequena, um pouco acima da cabeça de vocês. Saiam por ela e...
A cabeça da velha foi dividida de cima a baixo, quase completamente. A criatura então arrastou o corpo da mulher para fora da vista dos policiais. Inácio então fechou a porta e fez o que a mulher havia explicado. Em poucos segundos estavam no porão.
-Caralho, temos que sair daqui rápido! - Fernandes exclamou.
Foi então que ouviram um barulho vindo do disfarçado e inesperado elevador pelo qual vieram.
-Estou chegando para matar vocês, inúteis!
Fernandes e Inácio começaram a procurar a tal janela que a velha havia falado. Estava semi-escondida por uma caixa de papelão em cima de uma prateleira repleta de ferramentas.
-Porra, como vamos passar por isso, Fernandes? - Disse Inácio, com o resto de seu dedo jorrando sangue.
Num acesso de loucura, o policial abaixou e gritou.
-Inácio, usa minhas costas de escada! Rápido porra, depois você me ajuda a subir!
Inácio subiu nas costas do policial e abriu a janela, jogando algumas caixas para o lado. Após sair pela janela, virou-se para ajudar o amigo a subir, porém tudo que obteve foi um grito estridente.
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!
Foi então que dois olhos foram jogados da janela e caíram ao lado de Inácio. Os olhos, ensanguentados, eram de Fernandes.
-Filho da puta, maldito do caralho! Chega!
Inácio foi até o carro da polícia, abriu o porta-malas e retirou um galão e um pé-de-cabra. Foi até a porta da frente da casa e emperrou-a usando a ferramenta. Vizinhos olhavam de suas janelas para a balbúrdia que estava acontecendo. Então, o policial abriu o galão e começou a jogar nas paredes exteriores da casa, janelas e no carro do casal. Foi até o portão deixando um rastro de combustível, e então pegou uma caixa de fósforos e acendeu um.
-Morra.
Jogou o palito aceso na trilha de gasolina e viu a casa explodir em chamas. Junto com as chamas e a fumaça, um grito de horror e maldição subiu e chegou aos ouvidos de Inácio, e um rosto hediondo se formara nas chamas. O policial caiu no chão em posição fetal chorando em silêncio.
Poucos dias depois...
-Doutor, o paciente do quarto 09 não melhorou. Devo aumentar a dose do medicamento?
-Sim, faça isso. Ministre 150 mg. Se não obtiver resultados, mandarei algo mais forte.
No quarto 09, o paciente Inácio Freitas estava sentado em sua cama olhando para a janela, em direção a nada. Quando a enfermeira trouxe seu medicamento, não se deu ao luxo de encará-la. Ela passou os dedos em seus curativos e verificou que estava na hora de trocá-los. Se dirigiu então ao criado-mudo do paciente onde uma pequena caixa de plástico guardava os itens essenciais para a troca de bandagem. Quando a enfermeira pegou o bisturi que era usado para retirar os curativos, novamente o paciente entrou em estado de pânico.
-Aaaaaaaaaah, socorro, aaaaaaaaaaaaaaaah!
-Enfermeiros! ENFERMEIROS! Ajudem aqui!
Dois enfermeiros entraram para segurar o ex-policial enquanto a enfermeira dava-lhe o segundo sedativo no dia. Inácio permaneceria assim até que seu estado de choque fosse curado. No criado-mudo do quarto, o pequeno cartão repousava praticamente intocado. Em sua fronte, um alegre desenho natalino, e atrás palavras simples singelas: Feliz Natal.