Cinco Passos - Capítulo XII
-Ora, ora, ora... o que temos aqui? - Disse o clérigo ainda
com ódio no olhar se aproximando. Agora estava a não mais que dez metros de
nós.
-Se afaste daqui, Ubeltíta.
-Não me chame assim sua imunda! - Gritou o padre. - Sua
Nomádia podre e nojenta! Você não vai arruinar os meus planos dessa vez!
Dizendo isso, padre Ignácio sacou um livro de capa bege do
hábito¹. Abriu-o e começou a recitar algumas palavras estranhas.
-Ah sei into pai, apa meibe upom dai! Into kama koray ahma.
Slá vendrak, vallasvow vallevas, meibe into ahma!
-O que... o que tá acontecendo? - Disse Lucas, se levantando
do desmaio.
-Julio, tome conta do Lucas e ajude ele. Vou acabar com esse
idiota. - Disse Beatriz com determinação.
Enquanto passei o braço de Lucas por cima do meu pescoço
para sustentá-lo, Beatriz tirou do bolso um livro parecido com o do padre,
porém bem menor. Era também bege, e parecia envelhecido. Beatriz abriu-o e
começou a recitar.
-Ahma into meibe, vallevas vallasvow, vendrak slá. Ahma
koray kama into! Dai upom meibe apa, pai into sei ah!
Então, um choque de ar aconteceu. Beatriz e o padre foram
jogados há metros de distância. Nesta hora, Beatriz, já recomposta, pegou uma
pedra do chão e atacou em direção ao padre. A pedra acertou logo acima da
sobrancelha direita, fazendo um corte feio e derrubando o homem, que estava de
joelhos tentando se levantar.
-Beatriz, olhe o que você fez! Matou ele! - Gritei.
-Eu não matei ninguém seu imbecil. Ele só teve uma
concussão, vai se recuperar rápido. Agora vamos, seus dois brutamontes. Vamos
sair daqui. Se a Lua Negra alcançar o ponto máximo da noite, a meia noite, o
Lucas vai virar pedra para sempre!
-Pra onde vamos? - Disse Lucas, já se recuperando. Ele
parecia mais seguro de si mesmo.
-Vamos pegar um atalho. Em dez minutos estaremos do outro
lado da cidade.
Começamos a andar. Porém, não nos dirigíamos para a saída do
cemitério. Em revés, fomos em direção à cripta negra no centro da praça.
-Beatriz, a saída é por ali! - Falei.
-Humanos idiotas. Lucas, faz um favor. Da um soco nessa
madeira aqui. - Disse a garota apontando para a porta que lacrava a cripta.
Num movimento rápido, Lucas acertou um soco violento na
madeira, que virou serragem com a força do impacto.
-Wow! Eu não sabia que podia fazer isso... - Disse Lucas.
-É, é, agora sem papo ou você vai fazer companhia pra essas
estátuas.
Assim que entramos na cripta, o que mais senti falta foi uma
fonte de luz. A única luz proveniente para o local vinha do lado de fora,
proporcionada pela luz do luar. No centro da capela, estava um túmulo.
-Beatriz... não to vendo nada. - Falei.
-Espera, já vou dar um jeito. - Disse a menina.
Então, surgiu uma fonte de luz. Beatriz estava segurando um
velho lampião.
-Nossa, como você acendeu isso? É algum feitiço?
Assim que falei isso, ela mostrou uma caixa de fósforos.
-Nem tudo se faz com feitiços, Julio.
Beatriz começou a tatear o chão.
-O que você tá procurando? - Falou Lucas.
-No século XIX, muitas pessoas tinham medo que as cidades
fossem invadidas por ladrões. Como é de praxe, essas pessoas se refugiavam em
igrejas.
Nesse instante, Beatriz puxa algo no chão e abre um alçapão.
-Vamos, entrem. - Entramos no lugar. Era úmido e cheirava a
podridão e maldade. Nós estávamos nada mais, nada menos, do que no começo de um
grande corredor. - Enfim, como eu dizia, as pessoas tentavam se refugiar ao
máximo. Mas a família que construiu esta cripta era muito, muito rica. Então,
eles bolaram um plano: construíram este corredor e, caso a cidade fosse
atacada, era só vir pra cá e fugir por aqui.
-E este corredor vai dar aonde? - Perguntei.
-Bom, ele segue na direção nordeste e vai até o fim da
cidade. Temos que ir rápido. Minha presença aqui pode...
De repente, ouvimos um barulho de ossos. A terra a nossa
volta estava se mexendo.
¹Hábito: vestimenta usada por padres e freiras.