Cinco Passos - Capítulo IX
-Julio, conta essa história de novo. O Lucas fez o que?
-Estou te falando! Depois do incidente de vocês, eu o vi na geladeira devorando uma peça de carne... crua e cheia de sangue! Além disso, ele tinha dois furos paralelos no pescoço, perto da jugular.
-Espera... estou começando a lembrar de tudo...
-O que lembrou?
-Já sei o que aconteceu! Nós entramos no quarto para ver se seu pai estava bem, então o vimos falando algumas palavras estranhas e paramos na porta antes de entrar. Mas eu estava determinada, então eu entrei e me deparei com uma cena horrível. Três figuras estavam de pé em volta do seu pai, e quando notaram nossa presença, avançaram. Na verdade, dois deles avançaram, a outra ficou de pé.
-Outra?
-Sim, tenho quase certeza que era uma mulher. Os traços não enganam. Mas os outros eram homens. Na verdade aparentavam ter nossa idade.
Agora está obvio demais para não ser verdade.
-Bia, eu acho que sei o que aconteceu. Não é totalmente certeza, mas estou bem próximo de saber. Anda, vem comigo.
-Onde vamos?
-Procurar o Lucas. Ele deveria estar aqui...
Nos dirigimos à porta da cozinha, que dava acesso ao quintal da antiga casa, mas antes que pudéssemos dar um passo para fora da residência, minha mãe chamou.
-Onde vão? O jantar está quase pronto!
-Vamos procurar o Lucas. - Falei.
-Nem pense nisso, mocinho.
-Mas mãe, ele pode... - Retruquei.
-Julio Ferraz, se sair desta casa sem comer alguma coisa, eu arranco teu couro no tapa. Agora senta aqui e vem comer.
Merda. Se eu não for procurar o Lucas ele pode se matar ou acabar matando alguém. Se eu não ficar em casa, minha mãe me mata.
Me sentei a mesa junto com Bianca. O cheiro delicioso de macarrão ao molho branco estava impregnando a cozinha. Realmente uma refeição depois de um dia desses seria boa...
Após o jantar, Bianca e eu fomos ao quarto. Nos sentamos na cama e começamos a conversar.
-Mas Julio, como ele pode ter saído da casa sem sua mãe vê-lo?
-Eu já falei que não sei, tudo isso tá muito estranho. Aquela maldita criatura que eu vi, pessoas estranhas, meu pai desaparecido, rituais, fantasmas... tá tudo muito estranho.
-Ainda estou com medo daquele espelho, Julio... será que nada mais vai aparecer nele?
-Não sei. - Falei, com pesar.
-Repete aí aquela frase louca.
-"Foi bom, mas não durará. Se morreres, ao dono voltará. Eternamente gravado, o segredo está ao seu lado. Nas raízes de uma cerejeira se encontra a chave da Oliveira. Novembro de 1821".
-Nas raízes de uma cerejeira... Hum... que estranho.
-O que?
-Não existem cerejeiras no Brasil. - Disse Bianca.
-Como assim não existem?
-Bom, as cerejas que conhecemos são importadas ou não são nativas. O único tipo de cereja que começou a ser cultivada em São Paulo é conhecida como Ginja, ou cereja-ácida. E as datas batem, pois ela começou a ser cultivada por aqui na entrada do século 19.
-Nas raízes de uma cerejeira... Bianca, a frase está incorreta!
-Como assim?
-O correto não é "se encontra a chave da Oliveira"! O certo é "se encontra a chave DE Oliveira"! - Conclui com orgulho.
-E o que tem?
-Você não percebe? Antônio Machado DE Oliveira é o fundador da cidade! O velhote estava escondendo alguma coisa!
-Bom, faz sentido. Mas e o resto da frase?
-Eu tenho uma noção do que fazer. Vem comigo.
Nos levantamos e abrimos delicadamente a porta para não fazer barulho. Na entrada do século 19... madeira nova é mais clara. Mais clara que as outras portas.
Paramos ao lado do quadro estranho na parede.
-Aqui! - Falei.
-Uma porta? O que tem haver?
-Reparou nessa porta? Ela é mais clara que as outras, e você disse que a tal Ginja começou a ser cultivada no século 19, mesma época da fundação da cidade. E madeira nova é mais clara que o normal, assim como essa porta!
-Entendi! Nas raízes de uma cerejeira... as portas daqui são feitas de mogno escuro, menos esta. Esta porta é de uma cerejeira. Nas raízes de uma cerejeira se encontra a chave de Oliveira. Uma chave atrás desta porta? - Disse Bianca.
-Bom, é isso que espero. Mas ainda temos outro problema.
-O que?
-Não temos a chave. Esta tranca é diferente de todas as outras.