Contos e Encontros Anormais - Capítulo IV
Miranda Scarlet entrou no Necrotério Municipal precisamente às 15:00 h. Mesmo após mais de uma semana da morte da professora, ainda havia muita coisa a ser feita.
Miranda vestia um vestido preto que lhe caía até os joelhos, coroado por um xale de mesma cor sobre os ombros. No balcão, a secretária fazia anotações quando percebeu a perita no local.
-Pois não?
-Miranda Scarlet, vim falar com Ricardo.
-O senhor Ricardo está na sala de perícia. Ele ficará livre às...
-Preciso falar com ele imediatamente. É sobre o caso 400/1.
A secretária congelou em sua posição e arregalou os olhos, como se tivesse visto um fantasma. Sem pestanejar, pegou o telefone e discou o ramal da sala de perícia.
-Senhor Ricardo? A senhorita Scarlet está aqui. Sim, caso 400/1. - Então, a secretária desliga o telefone e volta os olhos para Miranda. - Pode entrar. Terceira sala à direita.
Na mesa central da sala, o corpo da professora morta havia pouco mais de uma semana repousava na mesma forma assustadora que fora encontrado. O rosto começara a se putrefar adquirindo um tom cinza-esverdeado. A boca fora costurada e as pálpebras fechadas, porém a coluna ainda estava torta para trás num ângulo acentuado. Miranda não se incomodava com o corpo, nem com a sensação de estar num lugar repleto deles. Caminhou em direção ao legista, que fazia anotações numa mesa próxima à mesa de análises.
-Ricardo.
-Miranda, esperava que viesse mais cedo.
-Imprevistos, apenas. O que temos aqui? Não tive tempo para analisar a situação do jeito que encontrei o corpo.
-Na verdade, há algo muito curioso que quero que você veja.
Ricardo dirigiu-se ao corpo da professora, e puxou um pouco a manta mortuária que cobria o cadáver. Na garganta, marcas de unhas jaziam profundas na pele da professora, juntamente com hematomas e sinais de luta.
-Vê a garganta?
-Alguém a arranhou?
-Não. Encontrei pele debaixo das unhas dela, e batem com a pele do pescoço. Ela mesma se arranhou, como se lutasse desesperadamente por ar.
-Algo obstruiu as vias respiratórias?
-Longe disso. O pulmão está limpo, a laringe e a garganta totalmente livres. Os brônquios dela simplesmente fecharam, e a única explicação que vejo para isso é envenenamento. Ela deve ter respirado uma quantidade grande de gás nocivo para que morresse tão drasticamente.
-Um gás venenoso pode explicar a morte, porém não explica o estado do corpo. Como a coluna dela chegou a esse ângulo?
-Pra ser sincero, Miranda, não faço a mínima ideia do que aconteceu. Algo muito forte torceu a coluna dela, isso é certo. Porém não sei o que pode ter sido, mas sei que foi alguém muito forte para deixar nesse ângulo horrendo.
-Achou mais alguma coisa, Ricardo?
-Sim, achei. A mão dela está tensionada numa posição anormal, como se estivesse apontando para algum lugar. Se entendi bem o modo como o corpo foi achado, ela deveria estar apontando na direção da porta do laboratório de informática.
-Alguma explicação para isso?
-É uma posição pre-mortem, totalmente voluntária. Ela morreu com a mão apontando para algum lugar, e os músculos se retesaram desse modo.
-Assim que tiver respostas sobre a causa-mortis me ligue que virei o mais rápido possível.
-Qual o próximo passo?
-Você disse que alguém forte torceu a coluna da professora, certo? Pois bem, está na hora de enquadrar alguns tipos que correspondem a este perfil!